domingo, 6 de julho de 2008

Emprego, ansiedade e calmantes...

Visão de uma paciente

A vida está difícil. Os problemas nos empregos são cada vez maiores, fala-se de crise e há uma instabilidade no ar que se pega. Os conflitos multiplicam-se e entra-se num sistema de “pescadinha de rabo na boca”. Cada vez se sente mais insegurança e receio e menos solidariedade. Parece que somos uma ameaça uns para os outros.

Daí que o recorrer a ansiolíticos esteja a ser cada vez mais comum. Não estou a falar do ponto de vista do médico mas do que se constata no dia a dia:

-Estou a tomar isto assim assim.

-Ah! e eu estou a tomar aquele outro.

Não sei como se pode inverter esta situação sem a melhoria das condições de vida.

Mas falando pela experiência própria é minha opinião que há momentos em que essa ajuda é preciosa para o nosso equilíbrio mas é também muito importante saber largá-la logo que possível.

Acho que é possível fazê-lo. O conselho do médico de família e um esforço para se ver a vida um pouco mais colorida pode fazer a diferença.

Rosina Guedes, paciente, Porto

Visão de uma psicóloga

Tem-se verificado um notório aumento de problemas emocionais relacionados com a empregabilidade nos dias de hoje. Ora porque o emprego não surge, ora porque não corresponde às expectativas, ou por qualquer outro problema identificado. Frequentemente são relatados casos em que há despedimentos de funcionários para controlo de custos, ou situações em que apenas uma pessoa realiza as tarefas de uma equipa pois não há lugar à contratação de outros profissionais.

Na verdade vive-se, desde há largos anos, uma crise significativa no sector económico que se repercute ao nível laboral, nomeadamente na oferta de emprego e condições de estabilidade e remuneração, entre outras. Há uma incerteza que se instalou pela divulgação de situações como as anteriormente expressas. O receio do desemprego, as tarefas esgotantes ou mesmo a exigência constante que muitos reclamam no seu local de trabalho tem, em larga escala, contribuído para o surgimento de problemáticas de ansiedade. Estas muitas vezes não são perceptíveis senão após algum tempo depois de estarem instaladas. Porque são sinais de cansaço, porque as férias já aconteceram há muito, são desculpas frequentes. Em verdade, muitos casos apenas se identificam na situação de ruptura, quando se dá o “burnout” ou esgotamento.

Quando já não há recursos emocionais para lidar com as exigências do meio laboral, quando se identifica a ansiedade, é frequente o recurso aos calmantes. Estes agem ao nível do sistema nervoso central e auxiliam o organismo a encontrar um certo relaxamento mental e/ou físico que lhes permite continuar a lidar com a situação durante um período de tempo. Mas no fundo, as questões relacionadas com o trabalho são estruturais e ainda que os calmantes sejam uma preciosa ajuda, não são a solução.

Então, as pessoas que se encontram numa situação destas causada pelo excesso ou, em contrapartida, a ausência de trabalho podem, de facto recorrer ao consumo de calmantes numa determinada fase, mas deverão ter tarefas de reestruturação paralelas pois, por si só, os calmantes não resolvem o problema. Pode ser importante o apoio obtido através da consulta de psicologia, na redução e tratamento da ansiedade e, a nível comportamental, assume-se de superior importância a adopção de medidas que colmatem as dificuldades sentidas anteriormente e que desembocaram na perturbação de ansiedade. Estas medidas passam por adequação e cumprimento de um número de horas de trabalho diárias, estipular as tarefas prioritárias, usufruir de tempos de pausa, horas de refeição e dias de férias, assim como fins-de-semana e/ou folgas.

Porque o emprego de uma pessoa deve contribuir para a concretização sua auto-realização e por isso ser algo realizado de uma forma serena e gratificante, fica esta reflexão para tentarmos mudar, na medida do possível, os nossos hábitos laborais e perpetuarmos o equilíbrio e bem-estar fundamentais à nossa saúde.

Catarina Canário, psicóloga clínica, Porto

Visão de uma médica

Na actualidade, o mercado de trabalho é cada vez mais competitivo e os empregos são mais instáveis. Trabalha-se por objectivos com a finalidade de produzir mais, com o menor custo possível. As pessoas sentem-se pressionadas de variadas formas para cumprir esses objectivos. Quando essa pressão ultrapassa um determinado limiar, variável de pessoa para pessoa, surge ansiedade.

Os sintomas comuns da ansiedade podem ser físicos e psíquicos e apresentarem-se como palpitações, aperto no peito, falta de ar, tremores, formigueiros, dores de cabeça, problemas do sono, irritabilidade, dificuldade de concentração, choro fácil. Os sintomas diferem de pessoa para pessoa, mas a persistência e a intensidade desses sintomas levam muitas vezes o doente a procurar ajuda médica.

A própria relação entre o médico e o doente pode ser terapêutica, o doente confia no seu médico para o ajudar e aconselhar. O médico perante cada situação e conhecendo o seu doente saberá qual o tratamento mais adequado. Penso que em todas as situações o tratamento passará por uma abordagem psicoterapêutica: tranquilizar o doente; explicar os sintomas; proporcionar aconselhamento; incentivar a prática de exercício físico regular e de técnicas de relaxamento. Se a ansiedade for crónica e se houver disponibilidade a referenciação para o psicólogo pode estar indicada, para tratamentos psicológicos específicos. Embora não existam estudos que o comprovem, a psicoterapia poderá ser tão eficaz como a medicação mas é muito mais demorada.

O recurso aos ansiolíticos, vulgarmente chamados calmantes dependerá da gravidade e persistência da ansiedade. Em situações ligeiras poderão prescrever-se produtos naturais como a valeriana. Quando estes não são eficazes poderemos ter de recorrer às benzodiazepinas. A utilização das benzodiazepinas continua a ser controversa, são eficazes e relativamente seguras mas têm problemas de dependência e abstinência. Deverão ser prescritas em situações agudas e a curto prazo, sabendo contudo que corremos o risco de abuso e do uso crónico em alguns doentes. A longo prazo as benzodiazepinas não têm benefícios e estão indicados outros medicamentos.

No aconselhamento do doente ansioso deve imperar o bom-senso e o conhecimento que o médico tem do doente e dos seus problemas, nomeadamente os sociais.

Maria João Esteves, médica de família, Porto

3 comentários:

Anónimo disse...

Pois, isto tudo é um problema! Maioria das vezes a ansiedade de uma pessoa é provocada pela "dor de cotovelo" do colega.
Portanto, temos dois pacientes. Referenciar este tipo de dor para o ortopedista? : ) Não! Então pergunto : Quem trata de "dor de cotovelo"?
Concluindo, combatendo a causa tratamos a doença.
ION R. MGF

Anónimo disse...

1º-Emprego-Precário, inserto, por vezes, a que termo.
2º-Ansiedade-Pelas condicionantes do 1º, que se degradam dia-a-dia, com o aumento constante dos principais agentes indispensáveis, o Pão a Saúde e a Educação, só a Paz é que diminuiu.
3º-Calmantes-Para quê ?. Se calhar ajuda, mas a questão do problema fica por resolver.
Fernando Rodrigues

Anónimo disse...

Parece-me que o cerne da questão é a enorme individualidade que reina na nossa sociedade actual. Esta, revela-se nas várias esquinas com que cruzamos, no nosso quotidiano. Acontece que, o nosso local de trabalho é onde passamos a grande parte das horas do nosso dia, logo, é onde inevitavelmente, nos cruzamos com mais esquinas.
Longe está o companheirismo e isso reflecte-se no emprego como a nossa imagem no espelho. Reina o salve-se quem puder e uma grande maioria apenas procura a ascensão e o reconhecimento dos superiores.
Por este motivo, desmotivadas, várias pessoas procuram um escape para suportar o seu emprego, na medida, em que este é a única garantia que têm de conseguir sobreviver condignamente.
Os calmantes, do meu ponto de vista, ajudam a suportar a situação mas não a resolvem. Por este motivo, urge uma mudança nas mentalidades das sociedades ocidentais e essa começa em cada um de nós.